segunda-feira, 25 de maio de 2015

A NYOMOZÓ (Hungria, 2008)


Trama de costura primorosa e surpreendente, O Investigador tem o astral de Tibor Malkav, o introspectivo patologista forense de 37 anos, cuja personalidade é um requinte cômico de pragmatismo e mau humor.

A excentricidade domina o roteiro e desafia sistematicamente a capacidade do espectador de acompanhar as consequências de tantos personagens incomuns reunidos.

Sombrio como qualquer frase dita em húngaro, explora metalinguagem sem pudores. Prazeiroso de assistir e difícil de comparar. Imprevisível  como uma coca-cola com tomate.

FRASES MARCANTES

"Geralmente não me junto."

"És uma piada, mas espero nunca mas te encontrar."

"Sabes que estamos parados aqui há dez minutos?"

"O fim não só é indiscreto como é violento."

"Isso é filosofia que só usamos para fazer as perguntas das quais temos medo das respostas. Faça uma pergunta direta."

domingo, 24 de maio de 2015

UUS MAALM (Estônia, 2011)



Seriam heróis todos que se permitem embarcar numa experiência alternativa de convivência?

O doc Uus Maailm nos apresenta a comunidade do Mundo Novo, em Tallin, na Estônia, onde jovens se reuniram para a exploração da vida em todas as suas nuances a partir da organização de um coletivo que os conduziu para a aventura da autodescoberta.

Mudar a relação dos moradores com as ruas e com os demais e ter uma casa que abraça quem aparece a qualquer hora são apenas algumas das muitas revoluções da comunidade de perfil anarquista que abomina o culto ao automóvel e o  individualismo.

Os invernos estonianos são o marco de tempo. É a cada ciclo de chegada da neve que o espectador percebe a intensidade dos sorrisos diante das pressões e exigências do sistema, da pontualidade do pagamento do aluguel aos momentos de reflexão do grupo e da autocrítica implacável.

O Mundo Novo não passou despercebido pela cidade, pelo país e no seu legado de enfrentamento ao capitalismo talvez esteja o seu lampejo de heroísmo. Contra os padrões, a vontade como arma. Criatividade e alegria como munição.

Frases marcantes:

"Imagine que tivessem duas mil pessoas e que todas fossem donas de um pedacinho da casa".

"Toda comunidade deveria ter um espaço comum pra ler livros e ver filmes. Acho que esta casa tem uma aura ótima".

"A vitória dos cidadãos contra a burocracia".

"Nosso dinheiro vem de doações, então eu acho que deveríamos ter um pouco de transparência, mas até agora tem sido um caos".

"Seis anos juntos é tempo demais".

sábado, 1 de dezembro de 2012

LIKE SOMEONE IN LOVE (França/Japão 2012)



Amar é inviável. Na Tóquio de Akiko há objetividade. Ela é uma estudante que precisa sobreviver, pagar aluguel, faculdade e recorre à atividade de acompanhante de luxo para seguir em frente. Recebe a missão de atender um cliente especial na noite em que sua avó está na cidade, ansiosa por um encontro, após ter deixado o marido doente no interior especialmente para visitá-la e conversar.

Está definido o conflito de Um Alguém Apaixonado. Conduzido pelo diretor iraniano Abbas Kiarostami, o longa apresenta vidas entre a necessidade imediata de ganhar dinheiro e o cultivo das relações chamadas verdadeiras. Entre o amar e as despesas, Akiko parece já ter escolhido um lado e o filme mostra os desdobramentos dramáticos dessa decisão pra ela, mas principalmente para os demais, sobre os quais o sofrimento e as consequências parecem estar amplificados. Ainda que seus olhos permaneçam assutados na maior parte do tempo, Akiko opta pela omissão, enquanto os outros personagens buscam desesperadamente afirmar carências e apegos.

Sobre o diretor fica transparente sua inclinação por carros. Não pelo lugar comum da engenharia, design e símbolo de poder, mas do carro como espaço de interação e intimidade. Uma paixão que deve render consideráveis economias orçamentárias em cenografia para a produção, entretanto, é nítido o esforço de Kiarostami para brincar simbolicamente - nada mais iraniano - com os reflexos nos vidros, espelhos e portas transformando o que seria estático num palco de analogias para vida em movimento ao mesmo tempo em que mostra que a riqueza estética dos fotogramas pode ser bem alimentada pelo detalhe de um detalhe.

Perceber uma autorreferência é inevitável: Abbas Kiarostami dirigiu Dez (Ten), um documentário (2002) onde mostrou a luta de uma mulher iraniana, Manis Akbari, em busca de uma vida com os mesmos direitos dos homens. O filme foi gravado inteiramente no carro de Manis e editado a partir da compilação das suas conversas reais com dez pessoas para quem costumava dar carona. Na ficção de Um Alguém Apaixonado, vale a pena perceber a conquista do ganho estético nessa opção pelo cenário em quatro rodas.

O filme tem o ritmo do cinema iraniano e uma forma particular de cultivar o suspense, portanto o ideal é escolher vê-lo naquele dia em que você não está exigindo velocidade para personagens, diálogos sagazes e presença de espírito em ebulição. Entretanto, Um Alguém Apaixonado tem um roteiro bem feito e cumpre sua missão de angustiar e remoer indefinidamente a culpa. Um filme completo, brincando com a expectativa do público desde aquilo que se especula antes de entrar na sala. Experimente: olhe o cartaz, leia as poucas linhas daquela sinopse impressa e depois reflita se ambos não contribuíram para temperar as surpresas comportamentais dos personagens, as descobertas e o tormento do real protagonista (veja o trailer)

FRASES MARCANTES:

“Sei que você não faria besteira.”

“Ele é terceiro dan de karatê.”

“De fato lembra um pouco, mas não é ela. Vamos nos casar.”

“Sou avô para ela assim como sou um avô para você.”

“(...) vou ficar aqui na estação em pé, na frente da estátua, vou te esperar até a última hora.”

sexta-feira, 1 de maio de 2009

DER BAADER MEINHOF KOMPLEX (Alemanha 2008)


Optei aqui por analisar o filme sob o referencial dos personagens centrais, já que a alta dosagem de conteúdo ideológico vai conduzir em cada espectador os juízos de valor de acordo com sua orientação política. Independente deste fator, Baader-Meihof Complex merece ser visto como um bem sucedido documento histórico-ficcional, sobre membros diferenciados de uma juventude esclarecida, estudada e determinada a mudar o mundo a qualquer custo.

O grupo Baader-Meinhof nasceu da indignação de parte dos segmentos de esquerda da sociedade alemã nos anos 60, traumatizada pela experiência nazista e sufocada pela escalada das políticas totalitárias do governo de extrema direita. Apresenta o surgimento, ascensão e queda do grupo liderado pelo casal Andreas Baader (Moritz Bleibtreu) e Gudrun Ensslin (Johanna Wokalek), e a jornalista lrike Meinhof (Martina Gedeck), que optam por reagir na mesma medida da opressão estatal, passam a ser cultuados como símbolos de liberdade promovendo roubos, atentados e associando-se a organizações insurgentes de outras partes do mundo.

O longa traz uma interessante crítica à psicodinâmica de um coletivo muito influenciado pelo culto à personalidade de seus líderes e uma mostra local das consequências desastrosas de políticas totalitárias e dos excessos cometidos pelos próprios insurgentes.

A narrativa do experiente Uli Edel, diretor de clássicos como Eu, Cristiane F. (1981) e Corpo em Evidência (1993), foi fundamentada no livro O Grupo (1985), do jornalista Stefan Aust, conteúdo que estimula mais ainda a dúvida sobre a veracidade de alguns períodos como o de confinamento, onde documentos oficiais foram as únicas fontes (veja o trailer).

FRASES MARCANTES:

"Foi a instauração do totalitarismo que permitiu o avanço de Hitler. Temos uma responsabilidade histórica de não deixar isso acontecer de novo."

"Achamos errado discordar e não fazer nada para mudar".

"Estamos formando um grupo, mudaremos a situação política".

"Quando uma pessoa atira uma pedra é um delito desculpável. Quando mil pedras são arremessadas é um ato político".

"Você acha que pode brincar de Hobin Hood e sair de mãos limpas?"

sexta-feira, 24 de abril de 2009

FLIGHT 666 (Canadá 2008)


Para resumir uma das principais sensações que este documentário provoca, posso afirmar que vivi durante seus 112 minutos a exata sensação do cansaço e realização de uma turnê produzida sob o ritmo frenético da Somewhere Back In Time Tour, em 2008. Flight 666 é o registro da proeza em fazer 23 shows em 45 dias percorrendo 5 continentes. A conseqüência na tela é inevitável: o espectador se sente um membro da equipe da banda inglesa Iron Maiden.

Minha euforia de fã da banda não resistiu intacta a tantos pousos e decolagens mesmo matando a imensa curiosidade em saber como funcionavam os bastidores e como interagiam o vocalista Bruce Dickinson, o líder e baixista Steve Harris, o baterista Nicko McBrain e os guitarristas Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gers sem os instrumentos, pontos que o filme transmite de modo eficiente evidenciando que todos deixaram a equipe de filmagem muito à vontade. O que provoca um certo cansaço em Flight 666 é justamente a sensação da rotina (rotina?) pelos sucessivos desembarques, entrevistas e embarques, mas que logo se transforma em êxtase transmitido por rostos indianos, autralianos, japoneses, latinos, canadenses e outros assim que os roqueiros ingleses sobem nos palcos.

As condições inéditas da turnê também trazem uma lição de logística impecável, revelando a customização do avião da banda - o Boeing 757 batizado de 'Ed Force One' - o "tapete mágico" que consumiu um ano, do projeto à conclusão, e permitiu entre os principais benefícios o transporte de 12 toneladas de cenário e som, a redução de custos e a inclusão de cidades que nunca seriam contempladas por uma turnê nos moldes convencionais.

Entre os integrantes Bruce aparece muito mais, até pelo fato de pilotar o Boeing, mas todos têm um bom espaço dedicado à sua história na Donzela de Ferro, sua personalidade, temperamento e importância musical a partir de relatos feitos pelos próprios companheiros e na visão do gerente da banda, Rod Smallwood, uma espécie de amigo-com-chicote-na-mão que não deixa os rapazes perderem o foco. O fundador e baixista Steve Harris que conduz musicalmente o Iron Maiden é elogiado pela minuciosa dedicação nos estúdios e a personalidade musical considerada "incorruptível". O sétimo integrante da banda é o público e sua diversidade. É onde está o lado mais comovente do filme, seja no espaço improvisado pra o show em Mumbai, na Índia; na histeria do público mexicano; no show em San Jose, na Costa Rica, para onde convergiram fãs de toda América Central e a explosão chilena desde a chegada ao aeroporto, país onde o Iron Maiden foi proibido de tocar em 1985 durante a ditadura de Pinochet, que atendeu às pressões de religiosos.

Responsáveis pela proeza, os documentaristas canadenses, Scot McFadyen e Sam Dunn (Banger Productions), mostraram um bom poder de filtragem das 500 horas de gravação. Fãs históricos de heavy metal e autores de A Headbanger's Journey e Global Metal - trabalhos que falam sobre a história e os principais ídolos do gênero musical - deixam claro o privilégio da condição em que se encontram, mostram sem pudor os critérios que conduziram a captação em alguns momentos e provaram que estar à frente dos ídolos não prejudicou o resultado final do trabalho.

A trilha sonora não podia ser outra e rende a cada música eleita para estar no filme uma costura de ângulos bem diferentes do usual em shows, com closes que transmitem a energia da banda e a emoção do público, captados pelas câmeras durante a turnê considerada como uma celebração em torno das principais músicas em 30 anos de carreira. O destaque do épico The Rhyme of the Ancient Mariner por parte do vocalista Bruce Dickinson como música mais esperada para ser tocada, mostra que os músicos pouco se importaram em produzir hits, mas em fundamentar seus temas de acordo com o que a banda admira por meio da cabeça de Steve Harris. Quem sabe uma pista para quem almeja a conquista de um trabalho musical respeitável e duradouro.

Ao final do filme, não levante! Sob a música Always Look on the Bright Side of Life - do grupo de comediantes ingleses Monthy Python - que é tocada ao término de todas as apresentações assim que o Iron Maiden deixa o palco, os créditos do filme dividem a tela com uma infinidade de reações de um público cujas expressões denunciam ter acabado de viver um grande momento. Entre eles, o comovente choro de um fã agarrado à baqueta que acabara de pegar do baterista Nicko McBrain.
Mais completo impossível. Flight 666 somos nós viajando com o Iron Maiden (veja o trailer).

FRASES MARCANTES

"O Rock in Rio mudou a história da banda, nos sentimos realmente maiores depois daquele show".

"Quanto mais descemos na América Latina mais a temperatura do público aumenta. Precisamos dar o máximo de nós para justificar nossa existência diante daquelas pessoas incríveis".

"Quando subimos no palco e olhamos para o público é incrível, porque vemos as mesmas pessoas. Elas ainda têm vinte anos, são os mesmos rostos que víamos em 20, 25 ou 30 anos atrás e eles não envelheceram".

"Não somos fósseis gigantes arrastando os ossos. Esta é uma celebração em torno das principais composições em 30 anos de trabalho".

"Em alguns anos vamos nos aposentar, e quem sabe quando olharmos para trás vamos perceber que conseguimos construir realmente algo".

sexta-feira, 17 de abril de 2009

THE BOY WITH THE STRIPED PAJAMAS (Reino Unido / Estados Unidos 2008)


Tocante em altíssimo grau. Um filme sobre a curiosidade e a resistência de uma mente forte que insiste em descobrir o que há por trás da unanimidade.

Aos oito anos, Bruno (Asa Butterfield) adora correr de braços abertos ao lado dos amiguinhos de escola. Eles se imaginam compondo uma esquadrilha dos famosos caças Messerschmith, uma das principais armas da Alemanha nazista da Segunda Guerra Mundial. Ele personifica o orgulho de uma Alemanha conquistadora como membro de uma família digna de comercial de margarina, perfeita, vivendo como filho de um bem sucedido oficial da SS que recebe uma promoção e é obrigado a mudar-se, levando toda família para as proximidades do campo de concentração que passa a comandar.

A partir daí, não há como imaginar que a idealização de The Boy with the Striped Pajamas não teve como principal motivação a vontade de fazer um La Vita è Bella do outro lado do muro dos campos de concentração. Longe de desqualificá-lo, essa possibilidade apenas engrandece a eficiência de seu roteiro adaptado com alta carga de dramaticidade.

Quando uma cerca de arame farpado permite que o filho do oficial da SS, perceba um intrigande menino de pijama listrado, uma comovente viagem pela essência de todos os seres humanos e suas nuances comportamentais é iniciada. O tenso desfecho apenas ratifica o quanto a submissão do homem pelo homem é estúpida. O pano de fundo da II Grande Guerra ajuda o significado filme a transpor o acetato convidando à reflexão em torno das grandes injustiças mundias e crimes contra a humanidade em curso no presente (veja o trailer).

FRASES MARCANTES

"Como é lá na fazenda?"

"O trabalho que o seu pai está fazendo aqui é a História em ação".

"Papai é bom, não é? Só está comandando um lugar horrível".

"A questão é que as pessoas que você vê, elas não são pessoas de verdade".

"Não é incrível como os adultos não sabem o que querem? Pavel era médico, mas largou tudo para descascar batatas".

"Sentiu aquele cheiro horrível de novo saindo das chaminés?"

sexta-feira, 3 de abril de 2009

COMME LES AUTRES (França 2008)


Emmanuel (Lambert Wilson) escolheu a pediatria por adorar crianças, mas agora deseja muito ter o próprio filho e está disposto a tudo para realizar o desejo da paternidade. O problema inicial é que seu parceiro, Phillipe (Pascal Elbé), não quer, assim como o seu país, a França, que não possui uma legislação sobre o assunto: a adoção de crianças por casais homossexuais. Mas Comme Les Autres (que está em cartaz com o título em inglês Baby Love) não trata apenas da homopaternidade, o filme aborda todos os problemas que envolve o não-debate diante de mudanças irreversíveis nestes tempos em que as relações sociais estão sendo constantemente repensadas e reformuladas.

A trama linear é rica nos conflitos de ordem psicossocial que se mostram inúteis diante da abnegação de Emmanuel e o direito que se permite em constituir a própria família. Após o término da relação com o parceiro e a tentativa de adoção convencional negada por uma assistente social que apenas representa o preconceito do sistema - sem discussões nem bases científicas - Manu começa uma saga para conseguir uma genitora de aluguel entre mulheres e casais de lésbicas que colocam seus anúncios na internet.

O grande valor do filme está nesse aspecto: o simples ato de ter um filho que teria por base o amor, seja na adoção ou por meio da geração socialmente aceitas, passa a ter um caráter essencialmente técnico por força da proibição. Os encontros em que Emmanuel tenta convencer alguém a ajudá-lo são dramáticos e ao mesmo tempo hilários, a negociação tem seu ápice nos diálogos com os casais de lésbicas onde relacionam de modo exaustivo as preocupações numa tentativa de amarrar o combinado ao máximo, assim como a forma de concepção, já que o bem resolvido Emmanuel não quer nem pensar em ter uma relação sexual com mulher. O amor está claro em bem direcionado no filme, estando restrito a "Manu" e seu futuro filho.

A frase "Isso é loucura" é a mais repetida por vários personagens ao longo do filme, mostrando que a única solução possível para a realização do sonho de paternidade passou por uma bem arquitetada armação, uma mentira social que uniu a vida de "Manu", sua família e o ex-namorado à imigrante argentina, Josefina (Pilar López de Ayala), que está morando na Europa com visto vencido. Depois de levantar questões de modo bem abrangente, o diretor Vincent Garenq optou por terminar o filme com um "alívio" ao público conservador, concentrando o foco na polêmica em torno da inevitabilidade da adoção (veja o trailer).


FRASES MARCANTES:

"Eu quero um filho, Phellipe".

"Minha obrigação é proteger estas crianças que já são muito traumatizadas".

"A França vai evoluir rápido em relação a isso, quem diria que um país beato como a Espanha ia permitir adoção e casamento?"

"Seu, seu... visógeno"!

"Agora você vai me dizer que é um heterossexual no armário?"

"Levamos 15 anos pra aceitar sua homossexualidade e da noite para o dia você vai se casar?"

sexta-feira, 27 de março de 2009

SLUMDOG MILLIONAIRE (Inglaterra/Índia 2008)


O vencedor de 8 estatuetas carequinhas mostra que fez por merecer a avalanche de reconhecimento na mais famosa premiação do cinema mundial e nos outros grandes festivais por onde passou. Em linhas gerais, Slumdog Millionaire (Milionário Favelado) chegou cumprindo duas missões: introduziu ao cinema de massa do Ocidente novos rostos, a paisagem e os conflitos presentes na Índia urbanóide - em geral reduzida ao Taj Mahal e encantadores de serpentes no imaginário dos habitantes deste lado do planeta - e com um recado claro, gritou ao ouvido de diretores e roteiristas da indústria de filmes do entretenimento fácil e finais felizes para que se permitam subir um degrau em sua estagnada escala evolutiva, principalmente nas etapas de contrução e desenvolvimento de narrativa.

O filme inicia apresentando três linhas de tempo simultâneas, todas em torno do personagem Jamal Malik (Dev Patel), um jovem que serve chá em um call center de Mumbai, cuja fidelidade aos sentimentos de correspondência incerta que nutre por Latika (Freida Pinto) o leva ao mais popular programa de TV da Índia: "Quem Quer Ser Um Millionário?", onde está a uma pergunta de se transformar em herói nacional pelo desempenho surpreendente. Jamal no programa, Jamal na delegacia, a vida de Jamal: as três tramas se misturam em uma bem executada edição em vai-e-vem sem confundir o espectador, sendo as passagens de tempo feitas entre imagens manipuladas sob um requinte poético.

Na tentativa de sintetizar a Índia enquanto cenário, o pecado pode estar na falta de pequenas contextualizações para um mergulho cultural mais proveitoso. Duas oportunidades passam batidas numa mesma seqüencia ao mostrar um grande trauma na vida do Jamal ainda menino. Nela, situa precariamente o país como um caldeirão de turbulências étnicas que culminam com massacres da população de minoria muçulmana por radicais hindus, mas remetendo apenas ao passado, quando fatos semelhantes ocorrem até os dias de hoje. Em seguida, no meio da fuga desesperada de Jamal, a religiosidade hinduísta emerge na aparição do Deus Rama, divindade que representaria a firmeza aos princípios que Jamal precisaria manter diante do acontecimento que acabara de levar sua mãe deste mundo e daria início a toda sorte de sofrimentos.

Mesmo sendo um filme que conta a história de Jamal e não da Índia, seis frases a mais no script resolveriam sem prejuízo pra a objetividade da narrativa poupando o espectador das dúvidas: "Por que saíram matando todo mundo?", "Se tem vários, porque apareceu justo aquele Deus azul?". Religiosidade oriental e questões políticas desprezadas, assistimos ao puro reducionismo ilustrando somente uma mera explicação para a razão do conhecimento de Jamal para mais uma das perguntas feitas durante o programa.

A trajetória de Jamal possui elementos similares à Ramayana, épico da literatura sagrada hindu que descreve a saga vivida pelo Deus Rama em sua encarnação. Durante o exílio, Rama teve sua amada e casta, Sitadevi, sequestrada pelo demônio de dez cabeças, Rávana, que reinava no vizinho Sri Lanka. No filme, Jamal conhece sua eleita, Latika, ainda criança na condição de excluídos sociais cujo destino insiste em separar, pondo a amada ora nas mãos de um explorador de menores que a mantém casta para leiloar sua virgindade por um alto preço, ora pelo irmão traidor, Salim (Madhur Mittal), e por fim em posse do mafioso do bairro. Sem um exército para combater e derrotar os inimigos à moda Rama, Jamal encara a vida como o exército de si mesmo e parte com as poucas armas que dispõe: amor, determinação e a sabedoria empírica filtrada pela sobrevivência nas ruas.

Considerando Latika sua razão de viver, Jamal aposta alto, sem nada, mas acreditando ter tudo a perder, movido por um comovente otimismo ingênuo que confronta com a falta de escrúpulos do incorrigível irmão, que repete a obstinação de Jamal na busca dos objetivos, mas contrapondo-o ao deixar de lado todo escrúpulo diante de qualquer coisa que represente um obstáculo. Sem querer, Jamal também mexe com a vaidade do apresentador do programa (Anil Kapoor) que, pela primeira vez se sente abalado diante de um convidado que passa a protagonizar o espetáculo televisivo. Cercado por um mundo que suspeita de toda a honestidade, Jamal é levado a confrontar a truculência de policiais sedentos pela confissão de um aparente golpe perfeito.

A produção é coroada com certos caprichos presentes em alguns detalhes minuciosos na edição que esbanjam simbolismos e reforçam a relação de Jamal à Ramayana. Na última vez em que reencontra Latika depois de muitos anos, a televisão está ligada no programa "Quem Quer Ser Um Milionário", um close da câmera mostra em um take de apenas três segundos, que a pergunta no vídeo pede o nome de uma formação rochosa no oceano só vista do espaço ligando a Índia ao Sri Lanka. Explicando: a formação nada mais é do que a Ponte de Rama, cujos escritos sagrados da Índia atribuem sua construção pela força de centenas de escravos pelo trecho mais raso do mar, servindo para o Exército de Rama chegar ao reino vizinho para resgatar a amada Sitadevi, assim como Jamal chegava naquele momento para resgatar mais uma vez sua Latika.

DESTAQUE
O grito de Jai Ho! ou seja, "There is May Be Victory!", ou simplesmente "Pode Haver Vitória!" foi responsável por uma das estatuetas que o filme levou em hollywood: Melhor Música. É o carro-chefe de uma competente e bem executada Trilha Sonora (outra estatueta). A faixa Paper Planes é interpretada pela rapper inglesa M.I.A. e traz o imaginário de crianças marginalizadas em sua busca por algo mais na vida de acordo com a compreenção e os meios pelos quais isso se concretiza na rua.

O trabalho é assinado por A.R Hahman, ídolo que ostenta a incrível marca de 100 milhões de discos vendidos, fenômeno atribuído à revolução na música contemporânea da Índia que promoveu a partir de suas composições. Para entender melhor, tente ficar parado ao ouvir a vibrante Aaj Ki Raat (Esta Noite), que traduz o conceito de aventura sobre cada noite de balada, como uma aposta que toda pessoa faz a si mesma com tudo a perder ou ganhar.

Toda a trilha vale ser ouvida. Mas "Jay Ho!" é a referência - cantada em hindi com um simpático trecho em espanhol antecipando que o filme queria mesmo atingir longe - traz o espírito da persistência de Jamal. Sua execução integral ao final do filme, deixa claro que Slumdog Millionaire veio para fazer o espectador sair feliz e recompensado da sala, coroando a sensação com créditos apoteóticos do elenco coreografado na estação de trem de Mumbai, além do alívio porque todos serão felizes para sempre, mas tudo isso com um algo a mais que talvez seja difícil explicar. Ainda bem que o mundo do cinema entendeu a mensagem e Slumdog Millionaire conseguiu ser algo bem maior do que mais um chiclete mental (veja o trailer).


FRASES MARCANTES

"O que diabos um favelado pode saber"?

"Preferia não saber a resposta para aquela pergunta, se não fosse por Rama e Alá, ainda teria uma mãe".

"Dinheiro e mulher, os dois maiores motivos de confusão na vida. Pelo visto você está metido com os dois".

"A Índia está no centro do mundo e eu estou no centro do centro".

"Esse cara, ele nunca desiste".

"Estava escrito".

sexta-feira, 20 de março de 2009

CONTROL (Inglaterra 2007)


Depressivo, autodestrutivo e epilético. A combinação presente no talento musical que o mundo conheceu como Ian Curtis - voz e alma da revolucionária banda Joy Division - é apresentada no início de Control (Controle) por meio de um mosaico de situações que vai destilando o comportamento e as percepções do jovem que cresceu na culturalmente insossa cidade de Macclesfield, nos arredores de Manchester, Inglaterra.

Sem lugar para expandir o seu potencial criativo, Ian (Sam Riley) foi se tornando um jovem introspectivo, indiferente diante do grito de crianças para que devolvesse a bola que escapou da brincadeira e passava próxima aos seus pés, assim como o "bom dia" diário do pai a cada retorno do colégio. Fazia do quarto o refúgio da vida sem cores que julgava levar, dialogando com as folhas de papel onde escrevia poesias, ou local para ouvir LPs de ídolos como David Bowie e Iggy Pop. Finalizado em preto e branco, o filme traduz a melancolia do protagonista mesmo depois sua entrada na banda Warsaw (Varsóvia), rebatizada para Joy Division (Divisão da Alegria) e sua rápida decolagem para o sucesso.

O cultivo do contexto histórico-musical da época transporta o espectador ao clima dos shows que ferviam a cena londrina, a exemplo da banda punk, Sex Pistols, expoente maior de uma época onde a atitude subjugava a qualidade musical, e do performático David Bowie & Spiders Mars, que representava a ruptura ao estilo punk-rock que abastecia o imaginário de Ian Curtis e uma legião de admiradores ávidos por outras experimentações sonoras. Tudo isso em curtos momentos servindo de cenários que testemunharam a convergência entre os futuros membros da banda e o empresário Rob Gretton.

Os últimos anos de Ian Curtis retratados no filme, mostram a vida de um ídolo que não suportou conviver com a bomba-relógio da epilepsia instalada dentro de si e que detonava o sentido de renascimento de cada fato que promovia reviravoltas positivas ou não da sua vida. A construção linear deixa a sensação de uma história rápida, assim como os quatro anos de existência da Joy Division, embora aditivada com algumas sequências longas expondo introspecção e as angústias vividas pelo vocalista que se tornou símbolo da angústia coletiva de uma geração.

Músicas de compasso insistente temperadas com guitarras, baixo e vocal sombrios. A trilha sonora evidencia o legado de uma banda que se tornou ícone da transição do rock com a fusão de texturas eletrônicas e a criatividade no uso de efeitos semi-artesanais como o chiado de sprays e sons de vidros estilhaçando (este último não colocado no filme).

Após a morte precoce de Ian Curtis, em 1980, os demais integrantes da banda fundaram o grupo New Order (Nova Ordem) que se consolidou como sucesso mundial nos anos 80 e 90. O filme é uma oportunidade para conhecer mais sobre a banda que influenciou uma geração seguinte de músicos bem sucedidos como Nine Inch Nails, Radiohead, Smashing Punpking, She Wants Revenge, Franz Ferdinand e The Killers. No Brasil, nada menos que a Legião Urbana, aliás, qualquer semelhança entre a performance de palco de Ian Curtis com Renato Russo não merece o rótulo de injustiça (veja o trailer).



FRASES MARCANTES

"Eu vivo da melhor forma possível, o futuro agora faz parte do meu passado".

"Você é minha, irrecuperavelmente minha".

"Pensei que ataque epilético fosse coisa de tantã".

"Você foi incrível, Ian! Arrebentou, mas me diga quem ganhou a luta dessa vez, o Ian ou o Ian"?

"Quando eu estou lá em cima do palco eles não entendem o quanto eu me dou e o quanto isso me afeta".

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

ESTÔMAGO (Brasil/Itália 2007)


Tudo começa com uma cômica explicação sobre a origem do queijo gorgonzola pelo simpático personagem Raimundo Nonato (João Miguel), transbordando pureza em um marcante sotaque nordestino, ele demonstra uma felicidade esfuziante ao transmitir aquele conhecimento.


Estômago é uma obra que eleva a comida ao posto de Centro do Universo: princípio e fim. Da necessidade humana básica de se alimentar até o poder exercido sobre os outros por parte de quem domina a arte que transforma comida em fonte de prazer. É a refeição que une os personagens na trama costurada no realismo sem filtros, cruel, transforma vidas, influencia comportamentos rendendo ao espectador momentos temperados por gargalhadas ou profunda compaixão. Tudo graças à existência de duas coxinhas em um boteco, mal feitas, mas que servem de salvação ao esfomeado Raimundo, recém-chegado à capital paulista que, sem dinheiro, se endivida por conta dos R$ 3 reais do custo do salgado e acaba escravizado por Zulmiro (Zeca Cenovicz), o dono do muquifo.


Ao ser iniciado na cozinha pelo patrão sem jeito, Raimundo revela aptidão no manuseio dos ingredientes superando seu desajeitado mestre na preparação do dueto clássico de bar - coxinha X pastel de carne - criando uma fama nas proximidades que o conduz a reviravoltas e ao contato com novas e sofisticadas receitas.


Chama atenção a inteligente construção do roteiro contando o antes e o depois de uma mesma história conduzidos paralelamente. Para quem assiste, o suspense fica em torno do que aconteceu na saga deste tal Raimundo Nonato, personagem de uma inocência que chega a ser comovente, ao ponto de ser difícil imaginar que fato derradeiro o teria levado da cozinha à cadeia. O filme leva um molho abundante de humor sarcástico, sádico, repleto de diálogos escrachados das línguas ferinas dos personagens que só sossegam quando ocupadas em saborear as onipresentes iguarias.


De co-produção Brasil/Itália, Estômago, do diretor Marcos Jorge, é uma ode à gula e à luxúria como dois dos mais fortes ingredientes da vida, embalada por uma trilha sonora de suposta, porém indisfarçável inspiração nas obras do diretor e mito cult, Quentin Tarantino. Entre as composições, conta com um assobio recorrente em todo o filme na forma de uma valsa melancólica, como a marcação rítmica da trajetória de um Raimundo fadado à desgraça iminente e indiferente ao seu esforço. A outra música une uma italianíssima gaita combinada ao som malicioso de uma guitarra entre o rockabilly e a surf music. Vá ao cinema - mas sem as crianças - confira um final surpreendente e veja se você concorda: desde o filme Durval Discos (2002) o cinema nacional não produzia uma cena tão surreal, bizarra e inteligente nas próximidades do desfecho da trama. Estômago vale cada fotograma, mas não ouse assitir com o SEU vazio.


DESTAQUES
Babu Santana interpretando Bujiú, Fabiula Nascimento a profissional-liberal e "muito ética" Íria e Carlo Briani incorporando Giovanni, o classudo e pseudo-sábio proprietário de restaurante. Atuações que valorizam e elevam seus personagens na trama além da mera coadjuvância. Ainda no elenco, é sempre muito interessante (e inevitavelmente engraçado...) ver o titã Paulo Miklos em cena, ainda mais na aparição envolta de suspense (veja o trailer).



FRASES MARCANTES

- “Cozinha simples é como uma pintura de Picasso: simples, mas intensa”.


- “Pense num queijo de macho, é o gorgonzola”.


- “Quero uma coisa boa mesmo de bacana. Sabe aquela coisa que tu come e quase goza?”.


- "Putanesca! Pu-ta-nes-ca!!! Coisa fina, não tem nada a ver com puta não!!!"


- “Este aqui é o filé mignon! É o que há de melhor na carne. É como na mulher a bunda”.