Amar é inviável. Na Tóquio de Akiko há objetividade. Ela é
uma estudante que precisa sobreviver, pagar aluguel, faculdade e recorre à
atividade de acompanhante de luxo para seguir em frente. Recebe a missão de
atender um cliente especial na noite em que sua avó está na cidade, ansiosa por um encontro, após ter deixado o marido doente no
interior especialmente para visitá-la e conversar.
Está definido o conflito de Um Alguém Apaixonado. Conduzido pelo diretor iraniano Abbas
Kiarostami, o longa apresenta vidas entre a necessidade imediata de ganhar dinheiro e o
cultivo das relações chamadas verdadeiras. Entre o amar e as despesas, Akiko parece
já ter escolhido um lado e o filme mostra os desdobramentos dramáticos dessa
decisão pra ela, mas principalmente para os demais, sobre os quais o sofrimento e as consequências parecem estar amplificados. Ainda que seus olhos permaneçam assutados na maior parte do tempo, Akiko opta pela omissão, enquanto os outros personagens buscam desesperadamente afirmar carências e
apegos.
Sobre o diretor fica transparente sua inclinação por carros.
Não pelo lugar comum da engenharia, design e símbolo de poder, mas do carro
como espaço de interação e intimidade. Uma paixão que deve render consideráveis
economias orçamentárias em cenografia para a produção, entretanto, é nítido o esforço
de Kiarostami para brincar simbolicamente - nada mais iraniano - com os reflexos nos vidros, espelhos e portas transformando o que seria estático num palco de analogias para vida em
movimento ao mesmo tempo em que mostra que a riqueza estética dos fotogramas pode ser bem alimentada
pelo detalhe de um detalhe.
Perceber uma autorreferência é inevitável: Abbas Kiarostami dirigiu
Dez (Ten), um documentário (2002) onde
mostrou a luta de uma mulher iraniana, Manis Akbari, em busca de uma vida com
os mesmos direitos dos homens. O filme foi gravado inteiramente no carro de
Manis e editado a partir da compilação das suas conversas reais com dez pessoas para
quem costumava dar carona. Na ficção de Um
Alguém Apaixonado, vale a pena perceber a conquista do ganho estético nessa opção pelo
cenário em quatro rodas.
O filme tem o ritmo do cinema iraniano e uma forma particular de cultivar o suspense, portanto o ideal é
escolher vê-lo naquele dia em que você não está exigindo velocidade para personagens, diálogos sagazes e presença de espírito em ebulição. Entretanto, Um Alguém Apaixonado tem um roteiro bem
feito e cumpre sua missão de angustiar e remoer indefinidamente a culpa. Um
filme completo, brincando com a expectativa do público desde aquilo que se especula antes de entrar na sala. Experimente: olhe o cartaz, leia as poucas linhas daquela sinopse impressa e depois reflita se ambos não contribuíram para temperar as surpresas comportamentais
dos personagens, as descobertas e o tormento do real protagonista (veja o trailer).
FRASES MARCANTES:
“Sei que você não faria besteira.”
“Ele é terceiro dan de karatê.”
“De fato lembra um pouco, mas não é ela. Vamos nos casar.”
“Sou avô para ela assim como sou um avô para você.”
“(...) vou ficar aqui na estação em pé, na frente da estátua, vou te esperar
até a última hora.”