sexta-feira, 15 de agosto de 2008

ESTÔMAGO (Brasil/Itália 2007)


Tudo começa com uma cômica explicação sobre a origem do queijo gorgonzola pelo simpático personagem Raimundo Nonato (João Miguel), transbordando pureza em um marcante sotaque nordestino, ele demonstra uma felicidade esfuziante ao transmitir aquele conhecimento.


Estômago é uma obra que eleva a comida ao posto de Centro do Universo: princípio e fim. Da necessidade humana básica de se alimentar até o poder exercido sobre os outros por parte de quem domina a arte que transforma comida em fonte de prazer. É a refeição que une os personagens na trama costurada no realismo sem filtros, cruel, transforma vidas, influencia comportamentos rendendo ao espectador momentos temperados por gargalhadas ou profunda compaixão. Tudo graças à existência de duas coxinhas em um boteco, mal feitas, mas que servem de salvação ao esfomeado Raimundo, recém-chegado à capital paulista que, sem dinheiro, se endivida por conta dos R$ 3 reais do custo do salgado e acaba escravizado por Zulmiro (Zeca Cenovicz), o dono do muquifo.


Ao ser iniciado na cozinha pelo patrão sem jeito, Raimundo revela aptidão no manuseio dos ingredientes superando seu desajeitado mestre na preparação do dueto clássico de bar - coxinha X pastel de carne - criando uma fama nas proximidades que o conduz a reviravoltas e ao contato com novas e sofisticadas receitas.


Chama atenção a inteligente construção do roteiro contando o antes e o depois de uma mesma história conduzidos paralelamente. Para quem assiste, o suspense fica em torno do que aconteceu na saga deste tal Raimundo Nonato, personagem de uma inocência que chega a ser comovente, ao ponto de ser difícil imaginar que fato derradeiro o teria levado da cozinha à cadeia. O filme leva um molho abundante de humor sarcástico, sádico, repleto de diálogos escrachados das línguas ferinas dos personagens que só sossegam quando ocupadas em saborear as onipresentes iguarias.


De co-produção Brasil/Itália, Estômago, do diretor Marcos Jorge, é uma ode à gula e à luxúria como dois dos mais fortes ingredientes da vida, embalada por uma trilha sonora de suposta, porém indisfarçável inspiração nas obras do diretor e mito cult, Quentin Tarantino. Entre as composições, conta com um assobio recorrente em todo o filme na forma de uma valsa melancólica, como a marcação rítmica da trajetória de um Raimundo fadado à desgraça iminente e indiferente ao seu esforço. A outra música une uma italianíssima gaita combinada ao som malicioso de uma guitarra entre o rockabilly e a surf music. Vá ao cinema - mas sem as crianças - confira um final surpreendente e veja se você concorda: desde o filme Durval Discos (2002) o cinema nacional não produzia uma cena tão surreal, bizarra e inteligente nas próximidades do desfecho da trama. Estômago vale cada fotograma, mas não ouse assitir com o SEU vazio.


DESTAQUES
Babu Santana interpretando Bujiú, Fabiula Nascimento a profissional-liberal e "muito ética" Íria e Carlo Briani incorporando Giovanni, o classudo e pseudo-sábio proprietário de restaurante. Atuações que valorizam e elevam seus personagens na trama além da mera coadjuvância. Ainda no elenco, é sempre muito interessante (e inevitavelmente engraçado...) ver o titã Paulo Miklos em cena, ainda mais na aparição envolta de suspense (veja o trailer).



FRASES MARCANTES

- “Cozinha simples é como uma pintura de Picasso: simples, mas intensa”.


- “Pense num queijo de macho, é o gorgonzola”.


- “Quero uma coisa boa mesmo de bacana. Sabe aquela coisa que tu come e quase goza?”.


- "Putanesca! Pu-ta-nes-ca!!! Coisa fina, não tem nada a ver com puta não!!!"


- “Este aqui é o filé mignon! É o que há de melhor na carne. É como na mulher a bunda”.