sexta-feira, 24 de abril de 2009

FLIGHT 666 (Canadá 2008)


Para resumir uma das principais sensações que este documentário provoca, posso afirmar que vivi durante seus 112 minutos a exata sensação do cansaço e realização de uma turnê produzida sob o ritmo frenético da Somewhere Back In Time Tour, em 2008. Flight 666 é o registro da proeza em fazer 23 shows em 45 dias percorrendo 5 continentes. A conseqüência na tela é inevitável: o espectador se sente um membro da equipe da banda inglesa Iron Maiden.

Minha euforia de fã da banda não resistiu intacta a tantos pousos e decolagens mesmo matando a imensa curiosidade em saber como funcionavam os bastidores e como interagiam o vocalista Bruce Dickinson, o líder e baixista Steve Harris, o baterista Nicko McBrain e os guitarristas Dave Murray, Adrian Smith e Janick Gers sem os instrumentos, pontos que o filme transmite de modo eficiente evidenciando que todos deixaram a equipe de filmagem muito à vontade. O que provoca um certo cansaço em Flight 666 é justamente a sensação da rotina (rotina?) pelos sucessivos desembarques, entrevistas e embarques, mas que logo se transforma em êxtase transmitido por rostos indianos, autralianos, japoneses, latinos, canadenses e outros assim que os roqueiros ingleses sobem nos palcos.

As condições inéditas da turnê também trazem uma lição de logística impecável, revelando a customização do avião da banda - o Boeing 757 batizado de 'Ed Force One' - o "tapete mágico" que consumiu um ano, do projeto à conclusão, e permitiu entre os principais benefícios o transporte de 12 toneladas de cenário e som, a redução de custos e a inclusão de cidades que nunca seriam contempladas por uma turnê nos moldes convencionais.

Entre os integrantes Bruce aparece muito mais, até pelo fato de pilotar o Boeing, mas todos têm um bom espaço dedicado à sua história na Donzela de Ferro, sua personalidade, temperamento e importância musical a partir de relatos feitos pelos próprios companheiros e na visão do gerente da banda, Rod Smallwood, uma espécie de amigo-com-chicote-na-mão que não deixa os rapazes perderem o foco. O fundador e baixista Steve Harris que conduz musicalmente o Iron Maiden é elogiado pela minuciosa dedicação nos estúdios e a personalidade musical considerada "incorruptível". O sétimo integrante da banda é o público e sua diversidade. É onde está o lado mais comovente do filme, seja no espaço improvisado pra o show em Mumbai, na Índia; na histeria do público mexicano; no show em San Jose, na Costa Rica, para onde convergiram fãs de toda América Central e a explosão chilena desde a chegada ao aeroporto, país onde o Iron Maiden foi proibido de tocar em 1985 durante a ditadura de Pinochet, que atendeu às pressões de religiosos.

Responsáveis pela proeza, os documentaristas canadenses, Scot McFadyen e Sam Dunn (Banger Productions), mostraram um bom poder de filtragem das 500 horas de gravação. Fãs históricos de heavy metal e autores de A Headbanger's Journey e Global Metal - trabalhos que falam sobre a história e os principais ídolos do gênero musical - deixam claro o privilégio da condição em que se encontram, mostram sem pudor os critérios que conduziram a captação em alguns momentos e provaram que estar à frente dos ídolos não prejudicou o resultado final do trabalho.

A trilha sonora não podia ser outra e rende a cada música eleita para estar no filme uma costura de ângulos bem diferentes do usual em shows, com closes que transmitem a energia da banda e a emoção do público, captados pelas câmeras durante a turnê considerada como uma celebração em torno das principais músicas em 30 anos de carreira. O destaque do épico The Rhyme of the Ancient Mariner por parte do vocalista Bruce Dickinson como música mais esperada para ser tocada, mostra que os músicos pouco se importaram em produzir hits, mas em fundamentar seus temas de acordo com o que a banda admira por meio da cabeça de Steve Harris. Quem sabe uma pista para quem almeja a conquista de um trabalho musical respeitável e duradouro.

Ao final do filme, não levante! Sob a música Always Look on the Bright Side of Life - do grupo de comediantes ingleses Monthy Python - que é tocada ao término de todas as apresentações assim que o Iron Maiden deixa o palco, os créditos do filme dividem a tela com uma infinidade de reações de um público cujas expressões denunciam ter acabado de viver um grande momento. Entre eles, o comovente choro de um fã agarrado à baqueta que acabara de pegar do baterista Nicko McBrain.
Mais completo impossível. Flight 666 somos nós viajando com o Iron Maiden (veja o trailer).

FRASES MARCANTES

"O Rock in Rio mudou a história da banda, nos sentimos realmente maiores depois daquele show".

"Quanto mais descemos na América Latina mais a temperatura do público aumenta. Precisamos dar o máximo de nós para justificar nossa existência diante daquelas pessoas incríveis".

"Quando subimos no palco e olhamos para o público é incrível, porque vemos as mesmas pessoas. Elas ainda têm vinte anos, são os mesmos rostos que víamos em 20, 25 ou 30 anos atrás e eles não envelheceram".

"Não somos fósseis gigantes arrastando os ossos. Esta é uma celebração em torno das principais composições em 30 anos de trabalho".

"Em alguns anos vamos nos aposentar, e quem sabe quando olharmos para trás vamos perceber que conseguimos construir realmente algo".

sexta-feira, 17 de abril de 2009

THE BOY WITH THE STRIPED PAJAMAS (Reino Unido / Estados Unidos 2008)


Tocante em altíssimo grau. Um filme sobre a curiosidade e a resistência de uma mente forte que insiste em descobrir o que há por trás da unanimidade.

Aos oito anos, Bruno (Asa Butterfield) adora correr de braços abertos ao lado dos amiguinhos de escola. Eles se imaginam compondo uma esquadrilha dos famosos caças Messerschmith, uma das principais armas da Alemanha nazista da Segunda Guerra Mundial. Ele personifica o orgulho de uma Alemanha conquistadora como membro de uma família digna de comercial de margarina, perfeita, vivendo como filho de um bem sucedido oficial da SS que recebe uma promoção e é obrigado a mudar-se, levando toda família para as proximidades do campo de concentração que passa a comandar.

A partir daí, não há como imaginar que a idealização de The Boy with the Striped Pajamas não teve como principal motivação a vontade de fazer um La Vita è Bella do outro lado do muro dos campos de concentração. Longe de desqualificá-lo, essa possibilidade apenas engrandece a eficiência de seu roteiro adaptado com alta carga de dramaticidade.

Quando uma cerca de arame farpado permite que o filho do oficial da SS, perceba um intrigande menino de pijama listrado, uma comovente viagem pela essência de todos os seres humanos e suas nuances comportamentais é iniciada. O tenso desfecho apenas ratifica o quanto a submissão do homem pelo homem é estúpida. O pano de fundo da II Grande Guerra ajuda o significado filme a transpor o acetato convidando à reflexão em torno das grandes injustiças mundias e crimes contra a humanidade em curso no presente (veja o trailer).

FRASES MARCANTES

"Como é lá na fazenda?"

"O trabalho que o seu pai está fazendo aqui é a História em ação".

"Papai é bom, não é? Só está comandando um lugar horrível".

"A questão é que as pessoas que você vê, elas não são pessoas de verdade".

"Não é incrível como os adultos não sabem o que querem? Pavel era médico, mas largou tudo para descascar batatas".

"Sentiu aquele cheiro horrível de novo saindo das chaminés?"

sexta-feira, 3 de abril de 2009

COMME LES AUTRES (França 2008)


Emmanuel (Lambert Wilson) escolheu a pediatria por adorar crianças, mas agora deseja muito ter o próprio filho e está disposto a tudo para realizar o desejo da paternidade. O problema inicial é que seu parceiro, Phillipe (Pascal Elbé), não quer, assim como o seu país, a França, que não possui uma legislação sobre o assunto: a adoção de crianças por casais homossexuais. Mas Comme Les Autres (que está em cartaz com o título em inglês Baby Love) não trata apenas da homopaternidade, o filme aborda todos os problemas que envolve o não-debate diante de mudanças irreversíveis nestes tempos em que as relações sociais estão sendo constantemente repensadas e reformuladas.

A trama linear é rica nos conflitos de ordem psicossocial que se mostram inúteis diante da abnegação de Emmanuel e o direito que se permite em constituir a própria família. Após o término da relação com o parceiro e a tentativa de adoção convencional negada por uma assistente social que apenas representa o preconceito do sistema - sem discussões nem bases científicas - Manu começa uma saga para conseguir uma genitora de aluguel entre mulheres e casais de lésbicas que colocam seus anúncios na internet.

O grande valor do filme está nesse aspecto: o simples ato de ter um filho que teria por base o amor, seja na adoção ou por meio da geração socialmente aceitas, passa a ter um caráter essencialmente técnico por força da proibição. Os encontros em que Emmanuel tenta convencer alguém a ajudá-lo são dramáticos e ao mesmo tempo hilários, a negociação tem seu ápice nos diálogos com os casais de lésbicas onde relacionam de modo exaustivo as preocupações numa tentativa de amarrar o combinado ao máximo, assim como a forma de concepção, já que o bem resolvido Emmanuel não quer nem pensar em ter uma relação sexual com mulher. O amor está claro em bem direcionado no filme, estando restrito a "Manu" e seu futuro filho.

A frase "Isso é loucura" é a mais repetida por vários personagens ao longo do filme, mostrando que a única solução possível para a realização do sonho de paternidade passou por uma bem arquitetada armação, uma mentira social que uniu a vida de "Manu", sua família e o ex-namorado à imigrante argentina, Josefina (Pilar López de Ayala), que está morando na Europa com visto vencido. Depois de levantar questões de modo bem abrangente, o diretor Vincent Garenq optou por terminar o filme com um "alívio" ao público conservador, concentrando o foco na polêmica em torno da inevitabilidade da adoção (veja o trailer).


FRASES MARCANTES:

"Eu quero um filho, Phellipe".

"Minha obrigação é proteger estas crianças que já são muito traumatizadas".

"A França vai evoluir rápido em relação a isso, quem diria que um país beato como a Espanha ia permitir adoção e casamento?"

"Seu, seu... visógeno"!

"Agora você vai me dizer que é um heterossexual no armário?"

"Levamos 15 anos pra aceitar sua homossexualidade e da noite para o dia você vai se casar?"